O que mata é o anonimato. O acordar sozinho, ver a minha companhia no espelho, ver as minhas mãos como as únicas que se podem abraçar, o meu ar o único a respirar.
A tristeza da solidão matreiramente me apanha, sem nunca me largar. Saio de casa e percorro as ruas, à espera de encontrar algo, ou alguém, que me arranque de mim e me mostre como pode ser isso de existir a dois. Os minutos passam, as horas passam, e os anos imprimem-se-me na face não mais despreocupada. Sempre achei que haveria tempo para tudo, sempre achei que a solidão era apenas uma opção a curto prazo, um leve preço a pagar pela independência. Não percebo como me deixei apanhar por esta sufocante cegueira.
Matam-me devagarinho as horas que passo sentado em casa, a olhar para a parede, castigando a sorte, o destino, castigando tudo o que possa castigar, por me sentir tão injustamente punido.
Caminho sozinho em direcção a um qualquer café. Pelo caminho vejo os olhares perdidos das pessoas que não me conhecem. Vejo em cada uma uma eventual companhia, uma eventual alma com quem partilhar os meus momentos solitários. Delicio-me tristemente com a beleza e contradição que representa partilhar a solidão. Dói-me no peito saber que como eu, milhares de almas passeiam nestes passeios, sozinhas, e eu não as consigo encontrar. Tento olhar nos olhos desses meus amigos, mas nada vejo senão um vazio aceno, um buraco cheio do meu desespero.
O anonimato mata-me. Saber que poderia desaparecer neste segundo e seria esquecido, continuaria a chover, as manhãs continuariam a nascer, as nuvens a viajar. Sinto-me como em pedaços perdidos na pele das outras pessoas. Sinto-me perdido buscando apenas alguém que me ajudasse a juntar as peças das minhas perdidas esperanças.
O anonimato mata-me, mas a máscara tortura-me e cansa-me. A máscara que carrego sempre comigo, que levo para o trabalho e para os fortuitos conhecimentos, é pesada e difícil de suportar. Triste como sou forçado a jogar contra mim próprio se quero sobreviver. Triste como escolho sobreviver a arriscar-me a viver. O verdadeiro eu não teria sorrisos à sua espera, o verdadeiro eu não poderia nunca existir num mundo em que quem é depressivo é posto de parte.
Não percebo isto a que chamam de depressão. O rótulo foi facilmente estampado, e quando procurei saber o porquê, vi partes de mim impressas numa folha de critérios de diagnóstico. Agarrei-me com força a cada um, reforcei os outros, como que uma desculpa para a minha condição, como que me explicando que talvez não houvesse nada a fazer.
O desgosto que sinto começou a manifestar-se cedo, e a máscara surgiu, quem sabe num esforço inglório de me mostrar que era possível. Mas como pode ser possível simplesmente escolher ser feliz, se tudo o que vejo e sinto me diz que não? Como pode ser possível simplesmente escolher ser feliz, se não tenho ninguém a quem mostrar o quão feliz posso ser?
Adormeço e desapareço.
6 comentários:
Profundo... A solidão de quem está rodeado... mas no fundo só!
gostei! :) §
A felicidade é realmente uma escolha...mas também é verdade que a felicidade só existe quando é partilhada!
Gostei muito!!
misturas muitos dos problemas da sociedade em que vivemos, que nesta idade não deveriam ter razão de ser, e outros que nesta idade tem toda a razao de ser...gostei muito, foi bom voltar a ler uma "Estória"
"Perdido" ficou eu com as datas dos teus posts :o)
Gr. abraço
Já tinha saudades de te ler! O tempo foge e uma pessoa nem repara... *
Tive imensa pena de não estar presente na apresentação do teu livro, mas já ando aqui por casa com o Livro de um lado para o outro (: *
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