[a ouvir Massive Attack – Silent Spring]
E os momentos passam diante de mim. Fecho os olhos e repito de mim para mim as palavras que deixei em tua casa. Sofro os eternos sorrisos que te entreguei, vejo os nossos dias de acordar tarde, de deitar tarde, de existir cedo, demasiado cedo.
Sorrio ao passear no meio da estrada, equilibrando-me na linha contínua, sem me deixar cair no precipício. Volto atrás no tempo e viajo. Avanço e choro de alegria com o bom que é não saber o que me espera amanhã. Perco-me nos silêncios das minhas lágrimas, tiro a camisa e abraço o ar que me arrepia.
Calcorreio os caminhos de nós, vicio-me na tua imagem. Abro os olhos e procuro semelhanças tuas em tudo o que existe. Os teus olhos nos candeeiros que me iluminam, as tuas linhas no passeio da estrada, o teu cabelo na chuva agressiva. Toco devagarinho, deslizo com o indicador, procurando a mais fiel repetição da perfeição do teu ser. Nada é bom que chegue, mas permito a minha imaginação achar que és um combinar do melhor que o mundo tem. Caminho lenta e calmamente, deixando-te, em direcção a um destino que não mereço.
O fim dos nossos dias anunciou-se desde o primeiro segundo. O proibido de tudo o que tivemos apenas nos fez viver o pouco tempo multiplicado pelo estranho infinito de um amor. O Vento bate-me nos olhos e lacrimejo. Saboreio o salgado das minhas lágrimas e sinto a minha língua na tua pele transpirada. Nada mais será como foi, ninguém mais será como foste. A nossa intensidade consumiu-nos, destruiu-nos, e isso poder-me-ia destruir.
Mas a certeza de ter vivido algo tão azul, frio e brilhante deixa-me com uma confortável alegria no coração. A partir daqui nada será a subir, nada será a descer. Carregar comigo os nossos dias até morrer permitir-me-á ser a segunda pessoa mais feliz que já existiu, por saber que tive, um dia, o amor de alguém como tu.
5 comentários:
Depois de ler este texto só mesmo...passear em cima da linha do comboio, em delicado equilíbrio, debaixo de chuva e ao som de Massive Attack... Pode ser.
Grande abraço
lindo.
Estava com saudades de ler-te...Depois de um longo inverno, o gelo do rio começa a derreter...
Eu acho!!!
Beijo Enorme.
É maravilhosa a forma como descreves tão bem as coisas, o ambiente, e principalmente os sentimentos... a forma como dás vida às coisas... LINDO! Parabéns por escreveres cada vez melhor! Quanto aos finais tristes já desisti de contestar! ;)* Beijo Grande §
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